domingo, 22 de novembro de 2015

20 e tantos anos

Do lado de fora tudo era cinza. Prédios de concreto e pessoas de papel caminhavam apáticas pelas ruas largas do centro da cidade, todas muito ocupadas em seguir a linearidade das suas vidas. Ele olhava tudo de cima, com um sorriso bonito e triste no rosto. Triste porque sabia a infinidade de coisas que existiam para serem desbravadas e via as pessoas se contentando com tão pouco. Bonito porque guardava ali, naquela meia lua, uma vontade imensa de viver. Vontade intensa de se jogar de cabeça e fazer simplesmente aquilo que lhe fizesse feliz. 

Tinha um coração de menino batendo no peito de quem já sabia o peso das responsabilidades, coisa que sempre lhe rendia alguns momentos de lamento. Coisa cruel esse tal de tempo; não pede licença pra passar. Sentia-se amarrado pelas obrigações, mas gente jovem nunca perde a esperança, ele muito menos. Saiu da janela e voltou o olhar para o espelho na parede da sala. O menino era alto, tinha uns fios brancos em alguns cantos e rugas nos olhos de tanto sorrir. Idade é só um número para quem guarda o mundo dentro de si, para quem sente a liberdade correr pelo corpo, para quem quer sempre fazer mais e melhor. 

Do lado de fora tudo era cinza. Do lado de dentro não poderia ser mais colorido.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Não existe amor em SP

Eu conseguia sentir tudo. O cheiro de chuva que vinha de fora, juntamente com o som calmo e sereno das gotas no chão. As batidas aceleradas e o sangue pulsando pelas veias; nas têmporas, nos ouvidos, no pescoço, no peito, nas pontas dos dedos das mãos e pés. Eu podia sentir cada milímetro que existia entre nós, cada um deles rezando para que fossem extintos. Contei mentalmente quantos anos se arrastaram até que você tivesse se tornado uma fotografia amarelada na minha memória, como se isso fizesse alguma diferença. Você estava ali, com cores bem vívidas e o sorriso bobo no rosto. Estendi o indicador e toquei seu braço, averigando se aquilo era real. Parecia concreto o suficiente. Um dedo se tornou uma mão, que não demorou a virar um abraço com oito anos de sentimento acumulado. Senti uma lágrima escorrer pelo rosto e sorri em paz comigo mesma. O momento finalmente estava ali.

Abri os olhos. Dois de novembro. Respirei fundo e encarei o teto branco, deixando minha mente vagar pela noite passada. "Mais uma frustração pra colocar na conta", pensei. Senti a cama grande demais e meu corpo encolher contra parede, tentando se desfazer do abraço imaginário que jazia ali, tão real. Naquela manhã não existiu amor em SP, nem em BH, mas nascia um novo "e se". Sorri, levantei da cama e reli todas a promessas das madrugada. Deixa ser como será.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Frio na barriga


Paixão;

Vem do latim passio, cuja tradução seria algo como “sofrimento, ato de suportar”, de pati, “sofrer, aguentar”, do grego pathe, “sentir ”.

Fisicamente falando, estar apaixonado nada mais é do que uma série de reações físico-químicas no seu corpo. Hormônios são liberados na sua corrente sanguínea e tá aí a euforia, o frio na barriga, os olhos brilhando. Mentalmente falando? Bem, eu não sei por onde começar. Antigamente as pessoas diziam estar apaixonadas quando sentiam dor. Acho que isso diz muito sobre o quanto somos naturalmente masoquistas.

Estar apaixonado é criar um grande botão vermelho de autodestruição e entregar de mão beijada para alguém. É ouvir um "Oi, tá tudo bem?" e sentir todo o corpo responder "Agora tá". A gente perde a cabeça por muita coisa, mas tem memória de sobra pra lembrar cada detalhezinho; rosto, voz, música favorita, time, cheiro. Paixão é uma grande, deliciosa e assustadora montanha-russa e apesar da descida enorme, do carrinho instável, da falta de controle, fechamos os olhos e nos deixamos levar completamente. Depois que a gente entra, só nos resta esperar o brinquedo parar. Mas a esperança é que ele nunca pare, né?

Eu sinto muito por quem tem medo de alturas.


sábado, 10 de outubro de 2015

A fruta da estação


Amora amava o amor. Em seu jeito mais puro e genuíno. 

Era apaixonada pelo cuidado, pela doçura e pelo se importar. Sem toda aquele drama e baboseira dos romances shakesperianos; para ela o importante era querer bem. Que sorte a minha de ter conhecido alguém tão delicada e dedicada. Menina-moça-mulher que sempre dava tudo de si no que fazia e, justamente por isso, fazia tudo de um jeito mais especial. Não existia quem não se sentisse bem perto de Amora, porque ela era uma dessas raríssimas pessoas no mundo que tinham luz própria. Todos se tornavam girassóis quando ela passava, acompanhando o brilho e o calor característico da fruta da estação. Era fácil sentir-se uma boa pessoa perto de alguém tão motivado e de bem com a vida. Se ela era assim sempre? Claro que não, mas isso lhe tornava humana e ainda mais incrível. Quantos de nós conseguem se projetar para o outro até nos seus piores dias? 

Amora era vermelho-rosa-cor-de-eu-te-amo, porque era isso que eu sentia vontade de falar sempre que a via.


Sem julgamentos


Pedro tinha o coração nos pés. Caminhava e deslizava pelo tablado de madeira com aquela certeza que só ele tinha. Dançava de olhos fechados e cada respiração acompanhava aquele caso de amor com a música que tocava. Volta e meia, no meio de meias-voltas, eu vislumbrava um sorriso bobo de gente apaixonada e eu ria, contagiada por tudo aquilo. Eu mal conhecia Pedro, mas eu confiava. Confiava ao ponto de fechar os olhos e deixar que ele me mostrasse o que fazer e, cá entre nós, eu sempre preferi fazer as coisas sozinha. Estar ali, rindo no meio de vários passos enrolados e atrapalhados me fazia sentir bem. Aquecia o coração finalmente encontrar alguém assim, leve. Depois de tanto tempo seguindo uma linha reta e comum, ele era porta aberta para altos e baixos. Pensei ali que nada que eu falasse talvez conseguisse transmitir o tanto que eu estava feliz por ter conhecido ele e todos os outros que vieram junto, por isso me contentei em elogiar.

A forma que ele dançava, o carinho que ele tinha com os amigos, a paciência em lidar com alguém irritantemente feliz e que fala pelos cotovelos (mas com conteúdo)... Eu, que sempre fui tão apaixonada por estrelas, talvez tivesse encontrado uma das mais brilhantes, bem ali na minha frente. Se ele sabia? Provavelmente não. Mas era assim mesmo; as pessoas mais bonitas eram aquelas que não tinham a mínima noção disso. 


domingo, 27 de setembro de 2015

A vida, o universo e tudo mais


Eu lembro claramente daquela primeira conversa sobre a vida que tive com meu pai. Aquela velha história da roda gigante; tem momentos que você sobe e tem momentos que você desce. Tão intrínseco isso ficou na minha mente que, até pouco tempo, eu não contestava esse fato. O problema dessa teoria é matemático, afinal, a roda gigante gira num período constante, num intervalo de tempo linear e uniforme. É impossível atrelar algo tão fluido e intempestivo quanto a vida, a algo tão perfeito e imutável. Na minha experiência própria (de quem tem lua em escorpião), cansei de acordar triste e terminar o dia de bem com o mundo, ou o contrário. Passei um longo período estando no topo, apreciando a vista, quando um fato pequenininho fez tudo mudar. 

Atenção: se você tem algum problema com crenças, talvez seja melhor você parar de ler porque estamos prestes a entrar em algumas questões existenciais aqui. 

Eu, pessoalmente, acredito que existe algo que rege o universo. Não entrando no mérito de destino ou algo do tipo, mas algumas vezes eu também duvido da existência da palavra "coincidência". Veja bem, cada homem produz cerca de 200 milhões de espermatozóides numa relação sexual, ao passo que uma mulher possui aproximadamente 500 mil óvulos ao longo da vida. Existem 7 bilhões de pessoas no mundo e, num dado momento, seus pais se conheceram, um espermatozóide e óvulo específicos se juntaram e deram origem a você, um ser com características únicas. O quão improvável é isso, estatísticamente falando? Podia ser outra pessoa, mas é você.

Dica: pesquisa um pouco sobre teoria do caos e movimento browniano. É de endoidar a cabeça, sério.

Astrologicamente (lembra das crenças?), no momento em que você nasce, toda a energia dos planetas alinhados naquela hora exata, de acordo com o lugar do nascimento, se mescla com a sua própria energia através do princípio da sincronicidade e voilà, temos toda uma cadeia de dados planetários que te dão um poder de autoconhecimento inestimável. É científicamente comprovado que a lua move as marés e que se ela mudasse um pouquinho só o seu movimento, todos morreríamos com as catástrofes. Por qual motivo isso não poderia ser válido para pessoas também? 

Já parou para pensar em como todos estamos ligados em rede? Que, mesmo sem sabermos, podemos afetar a vida de alguém? Que tal imaginar que aquele cara na lanchonete ouviu sua piada e passou para os próprios amigos? Ou que alguém ouviu você contar uma história no ônibus e se inspirou completamente nela para fazer algo? Talvez você tenha cruzado com alguém na rua que te achou a pessoa mais linda do mundo por alguns segundos e comentou isso nas próprias redes sociais. Somos estrelas colidindo umas com as outras todos os dias.

Eu não sei porque senti a necessidade de escrever sobre isso, mas me assusta ver pessoas com a mente tão fechada ao ponto de ignorar a quantidade infinita de interrogações que existem nesse universo. Quero dizer, é bem egocêntrico da nossa parte pensar que estamos sozinhos no meio da via láctea, que somos absurdamente desenvolvidos e que nossa vida se baseia basicamente em nascer, viver (sendo bem sucedido, óbvio), se reproduzir e morrer. A vida é muito mais do que só uma roda gigante. A vida pra mim é quase um buraco negro que todo dia me transporta pra um canto diferente da minha mente. Talvez valha a pena parar um pouquinho, pensar sobre essas coisas e se quiser conversar sobre, é só chamar.


sexta-feira, 4 de setembro de 2015

"[...] nem brisa nem a poesia, nem a lua que surgia me fez esquecer você."


Eu te vi do outro lado do picadeiro. Foi o bastante para sentir tudo dentro de mim desmoronar. "E lá vamos nós de novo". A conhecida sensação de descontrole me invadiu, como sempre. Senti ódio de mim mesma, ódio do meu coração que se encantava com um sorriso torto distante. Ele não seria o primeiro (e muito menos o último) a invadir meus pensamentos e depois ir embora. Era sufocante a sensação de imaginar pequenas possibilidades. A ideia do nós sempre chegava violentamente, destruindo tudo o que tocava, e eu me afogava. Engolia paixão, respirava esperança, engasgava com a impossibilidade, tossia tristeza. Uma vez, duas vezes, mais uma vez. Eu me conhecia bem o suficiente para prever tudo isso. No momento em que eu te vi, eu soube. Seu nome, como seria nosso primeiro beijo, os filmes que veríamos juntos, as tardes na Praça da Liberdade. Eu sabia mais ainda o quanto pensar nisso me machucaria, afinal, eu era formada e graduada em dez tipos diferentes de autossabotagem. Meus pensamentos eram embalados pelo ritmo lento e compassado, a letra eu conhecia de cor. Sorri com escárnio te vendo dançar, rindo de mim mesma por um dia ter dito que amava amar. O amor sempre foi roleta russa, e pra quem já tinha sido baleada tantas vezes, eu já sabia exatamente a hora do tiro.

Levantei e fui embora, deixando para trás você, o forró e o dedo no gatilho.