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Ali no alto ela conseguia respirar. Inalava o vento frio com tanto prazer que nem se importava com o ardor que ele provocava nos pulmões. Cruzou os braços sobre o peito e olhou para baixo. Quinze andares. Algumas formigas caminhavam rapidamente pela fina rua, apressadas para chegar em algum lugar. Uma ruga surgiu entre as sobrancelhas grossas e um riso debochado escapou da boca cor de uva. As pessoas eram treinadas para continuar caminhando, por mais que o destino final fosse incerto. Ela mesma se considerava uma andarilha nata; daquelas que sempre tem uma mochila nas costas e os pés prontos para pegar o próximo desvio. A vida previsível era necessária, mas nada era mais emocionante do que as bifurcações.
Seu coração angustiado batia acelerado no peito, como um passáro engaiolado procurando a saída. O que estaria lhe esperando? Milhões de pessoas naquela pequena cidade grande, onde cada esquina virada criava incontáveis possibilidades. Abriu os braços o máximo que conseguia e ficou na ponta dos pés. Fechou os olhos e ouviu a canção do silêncio. Sentia frio na nuca exposta. Sentia o corpo lento, como se estivesse imerso em água. Podia sentir o palpitar do sangue fluindo nas pontas dos dedos. Era um sinal. Estava viva. Isso era o que importava.
Abriu os olhos, voltando para a realidade e desceu do parapeito. Deu uma última olhada no horizonte antes de descer as escadas de incêndio. As luzes da cidade grande piscavam em código morse. "Seja livre", elas diziam. "O mundo é muito pequeno pra sua vontade de viver".