segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Duas partes de um todo

E ela era meio assim, meio assado, meio indecisa, meio arrogante, meio metida à escritora e apreciadora de boa música, meio piadista, meio garota sensível com medo de crescer, meio menina querendo ser mulher. Meio romântica desenfreada, meio intransigente, meio tirada à sabe-tudo, meio gente grande. Ela era meio baixinha, meio gordinha, meio moleca, meio boca suja, meio inteligente, meio nerd. Era meio precipitada demais, egoísta demais, carente demais e meio madura de menos. Ela era meio gata, meio vira-lata com parte pedigree, era meio de rua, meio de casa, meio mimada. Ela era meio manipuladora, meio maliciosa, meio tarada, meio curiosa, meio medrosa. A garota era meio. E tudo o que ela precisava era de alguém para fazê-la inteira. Inteira com começo e fim, não só meio. 

Contos Inacabados Do Amor Infinito

Escrevi esse conto há um ou dois anos. Naquela época ele tinha um sentido, mas hoje só me traz alguns arrependimentos e lembretes de que devo aprender com meus erros. Faz parte de um dos meus muitos projetos de livros que talvez nunca saiam do meu word. Enfim, espero que curtam essa época medieval e amor dramático, é sempre a minha especialidade.

"Cansaço. Era isso que me consumia. Estava cansada de toda essa dança cega e surda de amores suspeitos e flertes duvidosos. Estava cansada dessa esperança sufocada no meu peito que, todas as vezes que via um sorriso seu ou ouvia uma palavra doce, se inflava. Confesso que tudo isso não passava de um masoquismo ilusório; Um jogo perigoso onde à medida que eu me deliciava com minhas expectativas – falsamente alimentadas – sentia dor, ansiedade, inquietação por permanecer no escuro.

- Posso falar com você? – Perguntei ignorando todas as borboletas no meu estômago, me forçando a olhar para frente e não para meus próprios pés.

E é óbvio que você concordou educadamente, mesmo que apreensivo. Observei seu peito subir e descer algumas vezes, ao passo que eu mesma fazia força para lembrar como respirar. Tanto tempo de espera, de observação, de medo... Tudo isso se encontrando no fim de linha. Eu não tinha mais para onde correr.

- Dois meses – Eu disse com a voz vacilante de quem ainda estava insegura – Foi o tempo que passou desde o primeiro dia que te notei até hoje, o dia de hoje. – Respirei fundo buscando coragem e encontrando oxigênio – Você chegou assim, sem quê nem porquê e quando me dei conta, já não conseguia mais vê-lo somente como um amigo. Estava perdidamente apaixonada pela sua risada, seus olhos, seu sorriso, suas manias, sua voz, suas ideias... E mesmo que eu não seja correspondida, que eu seja somente vista como amiga e companheira, eu queria que esse fato fosse de seu conhecimento. – Um leve sorriso brotou em meus lábios ao recordar todas as imagens que vinha guardando trancadas em minha mente – Queria que soubesse o quão bom homem, bom moço e bom amigo você é, e que eu te desejo toda felicidade do mundo em sua busca pelo amor verdadeiro, você merece.

Terminei minha fala com um alívio no peito, similar a um espaço livre numa sala abarrotada de móveis velhos e empoeirados. Não tremi ou chorei; Só repirei pela milésima vez e me pus a andar em direção a lugar nenhum. Senti o choque da sua mão fria em contato com minha pele quente, o que parece incendiar a esperança em meu peito, e virei o rosto olhando e seus olhos pela primeira vez desde o início daquele ato. Eles não pareciam alegres, com aquele castanho brilhante e luminoso; Estavam escuros e apagados, quase sombrios. Finalmente estremeci, temerosa pelo que viria, mas obriguei-me a sustentar aquele olhar doloroso.

- Gosto de você – Ele falou mantendo o tom de voz baixo e rouco – Mas não o bastante para torná-la minha. Aprecio sua afeição e me sinto triste por ter deixado tudo isso ocorrer. – Tomou fôlego, talvez procurando coragem como eu mesma fizera minutos atrás – Eu lamento muito.

Fiquei parada pelo que me pareceu alguns minutos, mergulhada num torpor profundo, e só acordei quando senti os braços frios me envolvendo num aperto consolador. Seria, provavelmente, a última vez que teríamos tal proximidade, logo, procurei captar todas as características físicas daquele que me tinha nos braços. O cheiro cítrico exalava de suas vestes e se misturava agradavelmente com o aroma de hortelã que mantinha seu hálito fresco; A textura do linho da sua camisa e do couro fino de seu colete que criavam um contraste entre si; A temperatura fria do seu corpo, coisa que raramente se alterava; Suas proporções perfeitamente normais; A pele branca de alguém que mal via o sol; Os cabelos lisos, curtos e escuros, que teimavam em não ficar no lugar; o rosto de traços finos e bem esquadrinhados; E por último, porém longe de ser o menos importante, seus olhos: castanhos, profundos e extremamente expressivos. Compilei todos esses detalhes numa gaveta que tranquei e decidi esquecer no fundo da minha mente. Engraçado como agora parece ter sido tudo mais demorado do que realmente foi, mas aconteceu tão rápido que tive que correr para não deixar escapar nada, nenhum rastro da sua presença.

Lembro-me que fiquei inerte diante da situação e que depositei um último beijo em seu rosto antes de me dirigir aos meus aposentos. Gostaria de dizer que depois de um tempo você percebeu o quão compatíveis éramos e que procurou para darmos início à uma nova história...Porém não foi bem isso o que aconteceu. Recordo-me agora de ter me demorado para matar o bicho da esperança dentro de mim e só o fiz depois de muito tempo à observar-te com outras moças e me amaldiçoar por não ter nascido como elas. Não é uma história com um final feliz, teve fim trágico e dramático em minha cabeça, com direito à mergulhos ocasionais em entorpecentes e tudo. Mas na verdade não saiu do comum, acontece com tanta gente, porque seria diferente comigo? Com o passar dos dias você foi esquecendo, encontrando novas pretendentes, tratando-as com a sua cortesia usual, como perfeito cavalheiro que era. Eu me escondi, fingindo que havia superado, que não via nada, e se via, não me importava, o que era mais um  dos meus atos no teatro do masoquismo. No meu eu, minha alma sofria por não ser sua e sentia um estranho prazer ao ser imaginada nos corpos de suas novas amantes. Realmente, foi um final infeliz que nunca tive coragem ou forças para mudar. Entretanto, não me arrependo de ter me confessado, pois, naquele poucos minutos de poucas palavras, senti que você foi inteiramente meu... Por poucos minutos."

sábado, 16 de agosto de 2014

Infinita Highway


 A música me fez abrir os olhos. "Thrift Shop" sempre fora uma das suas favoritas para momentos de animação. Estávamos na estrada, aparentemente viajando, pois o banco de trás do carro estava cheio de coisas. Agarrei um travesseiro pequeno e pus ao redor do pescoço. Olhei para o lado e você estava lá; Com seus óculos escuros, a camiseta de Star Wars que tínhamos comprado juntos, sua bermuda xadrez que eu já tinha decorado até a quantidade de linhas... Te ver daquele jeito me despertou algo engraçado. Um misto de saudade e conforto. Aquilo que sentimos quando chegamos em casa depois de uma longa viagem. Algo me impedia de falar, tocar e até me mover em sua direção. Você falava coisas e fazia comentários que eu não conseguia discernir, mas fiquei satisfeita só em poder te ver rindo e fazendo suas caras engraçadas. O carro estava impecavelmente limpo, você devia tê-lo lavado antes de cairmos na estrada. Não me era familiar estar ali, ao seu lado, enquanto você dirigia. Talvez aquela fosse a primeira vez, talvez a primeira depois de muito tempo. Eu gostava. Eu parecia estar no lugar certo. A paisagem do lado de fora era predominantemente verde e o dia estava ensolarado, daqueles que eram quentes e tinham um céu azul sem nuvens. Quis perguntar para onde estávamos indo, mesmo que não me importasse. Qualquer lugar com você seria bom.

A melodia lenta de "Yesterday" começou a tocar e eu quis estender a mão para o som e mudar a faixa, porém não pude. Aquela música sempre te deixava triste, consequentemente também me deixava. Fechei os olhos novamente para não ver a sua reação diante daquela letra melancólica e o som foi se afastando, sumindo, se esvaindo da minha mente. Abri os olhos novamente e você tinha sumido. Não havia mais estrada, nem carro, nem viagem e muito menos calor. As paredes desbotadas do meu quarto dançavam com o silêncio profundo do aposento frio. Fora a primeira vez que sonhei com você desde a mudança e o sentimento de saudade se instalou no meu corpo por algum tempo. Tantas vezes acordei com você ao meu lado que esqueci o que era acordar sozinha num dia de sábado e não ter nada pra fazer, nem companhia pra sair. Percebi o quanto estava vivendo pela metade. Órfã da melhor parte de mim; Fazendo as mesmas coisas todos os dias, nada que conseguisse preencher esse vazio dentro do peito. Levantei e risquei meu calendário. Cento e nove dias faltando para eu me tornar inteira.